Barbeiragem" médica em exame que resultou em morte
(08.04.10)
Aquele que deveria ser apenas um exame de biópsia de fígado - destinado a proporcionar a melhora da saúde do paciente - acabou como tragédia para esposa e filhos menores do enfermo.
O triste caso tem origem em Caxias do Sul (RS), onde Luís Hélvio Ribeiro foi atendido pelo médico Rafael Omar Giovenardi nas dependências do Hospital Geral, mantido pela Fundação Universidade de Caxias. Ali - a pedido de sua médica pessoal - Hélvio foi realizar uma biópsia de fígado, por ser portador de hepatite C.
Prescrito o exame por meio de videolaparoscopia, o médico Giovernardi informou à vítima que o Hospital Geral não dispunha daquele equipamento. Como alternativa, foi oferecida a Luís Hélvio a realização do mesmo exame, mas por ecografia.
Logo após supostamente realizado o procedimento prometido, o paciente passou a ter fortes dores e falta de ar, ocasião em que veio à tona o fato de que o médico réu realizara o exame sem a ecografia, mas apenas por punção, modalidade em que uma agulha é conduzida até o órgão pelo toque externo, sem qualquer visão interna. Essa modalidade, às cegas, tonava o ato mais perigoso.
Submetido o paciente a duas ecografias, constatou-se que havia líquido na cavidade abdominal, mas nenhuma providência foi tomada para solucionar o problema. Somente mais tarde, quando verificada a piora do estado de Luís Hélvio, foi realizada uma cirurgia já inócua para salvar-lhe a vida, já que havia sido perfurada sua vesícula biliar durante a biópsia.
Em alguns dias - e já adquirida uma septicemia -, o paciente faleceu.
A ação indenizatória movida pela família da vítima - a esposa, Maria da Graça Ribeiro, e os filhos menores Alan Hélvio Ribeiro e Marcelo Luis Ribeiro - tramitou na 2ª Vara Cível de Lajeado (RS), onde residem, e recebeu a sentença de procedência dos pedidos que, agora, veio a ser confirmada pelo TJRS.
Analisando a conduta do profissional, a juíza de Direito Carmen Rosa Constante Barghouti lembrou que, "mesmo se tratando de uma atividade de meio, isso não isenta o médico de empregar todas as precauções, técnicas e meios necessários no atendimento do paciente sob pena de uma conduta culposa."
E, entendendo ter obrado o médico em erro, a magistrada identificou que "a decisão de realizar o exame por simples apalpação, sem o uso de qualquer equipamento, desatendendo o pedido expresso da médica Sônia, partiu do requerido Rafael", que optou por método menos seguro.
Além disso, concluiu a julgadora que a demora na tomada de providências para solucionar as dores manifestadas pelo paciente evidenciou negligência.
A magistrada condenou o médico e o hospital - solidariamente - a indenizar os autores, alcançando-lhes reparação por dano moral de R$ 41.500,00 para cada um - com juros e correção monetária - e pensão mensal de 1/3 dos últimos 12 salários do falecido para a esposa e de 1/6 para cada filho, tudo com a devida atualização.
A viúva receberá os pagamentos mensais até a data em que o marido completaria 65 anos de idade e os órfãos, até os seus 25 anos.
Também foi imposto aos réus o pagamento das depesas de funeral e das custas processuais, além de honorários advocatícios aos procuradores dos autores: 15% sobre o valor da condenação. Para garantir o cumprimento da obrigação mensal, os demandados terão que constituir capital.
Modo contínuo, o TJRS recebeu apelações de parte a parte: a dos autores, para que os honorários de advogado fossem majorados; a dos réus, para que a condenação fosse revertida ou, pelo menos, para que os valores arbitrados na sentença fossem menores.
Sob a relatoria do desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, da 10ª Câmara Cível, ambos os recursos foram desprovidos. O voto condutor do julgamento valeu-se, substancialmente, das razões expendidas no parecer do Ministério Público, ratificando o dever de indenizar fixado na sentença.
Considerado "arrojado e afoito", o ato médico foi identificado como o causador da perfuração da vesícula biliar do paciente, vindo a causar o óbito que não pôde ser impedido também pela falta de precaução posterior do profisisonal e do corpo clínico do hospital. "Depois, verificada a barbeiragem, nas horas que se seguiram estava o paciente também sob o cuidado de demais profissionais do corpo clínico do hospital, sem que providências efetivas fossem tomadas para debelar o erro, evitando-se o pior", assevera o acórdão.
No dia seguinte ao do exame, o paciente, já com severas dores, foi submetido a duas ecografias mas a cirurgia que lhe poderia salvar a vida só foi realizada quando não mais teria efeito: "ou seja, a cirurgia foi tardia e, por tal razão, ineficaz", anota o acórdão.
A responsabilidade do Hospital Geral foi admitida porque o médico trabalhava sob a sua supervisão e autorização, sendo membro do seu corpo clínico, e porque os demais profissionais do nosocômio não tomaram providências para debelar o erro tempestivamente. Ademais, o falecido foi acometido de infecção hospitalar, que se tornou concausa da morte.
O acórdão foi publicado no dia 6 de abril e ainda não há trânsito em julgado. Poderão os réus, eventualmente, interpor recursos aos tribunais superiores, em Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário